Adília Lopes Poems

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1.
METEOROLÓGICA

Deus não me deu
um namorado
deu-me
o martírio branco
de não o ter

Vi namorados
possíveis
foram bois
foram porcos
e eu palácios
e pérolas

Não me queres
nunca me quiseste
(porquê, meu Deus?)

A vida é livro
e o livro
não é livre

Choro
chove
mas isto é
Verlaine

Ou:
um dia tão bonito
e eu
não fornico
...

2.
WEATHER REPORT

God didn't give me
a boyfriend
he gave me
the white martyrdom
of doing without one

I've known some potential
boyfriends
they were swine
they were elephants
and me pearls
and crystal

You don't want me
you never did
(why, for God's sake?)

Life
is free
and the book
isn't free

I cry
it rains
but that's
Verlaine

Or:
such a beautiful
day
and I'm not
fornicating
...

3.
WEATHER REPORT

God didn't give me
a boyfriend
he gave me
the white martyrdom
of doing without one

I've known some potential
boyfriends
they were swine
they were elephants
and me pearls
and crystal

You don't want me
you never did
(why, for God's sake?)

Life
is free
and the book
isn't free

I cry
it rains
but that's
Verlaine

Or:
such a beautiful
day
and I'm not
fornicating
...

4.
UM FIGO

Deixou cair a fotografia
um desconhecido correu atrás dela
para lha entregar
ela recusou-se a pegar na fotografia
mas a senhora deixou cair isto
eu não posso ter deixado cair isto
porque isto não é meu
não queria que ninguém
e sobretudo um desconhecido
suspeitasse que havia uma relação
entre ela e a fotografia
era como se tivesse deixado cair
um lenço cheio de sangue
porque era ela quem estava na fotografia
e nada nos pertence tanto como o sangue
por isso quando uma pessoa se pica num dedo
leva logo o dedo à boca para chupar o sangue
o desconhecido apercebeu-se disso
é um retrato da senhora
pode ser o retrato de alguém muito parecido comigo
mas não sou eu
o desconhecido por ser muito bondoso
não insistiu
e como sabia que os mendigos
não têm dinheiro para tirar fotografias
deu a fotografia a um mendigo
que lhe chamou um figo
...

5.
CANDY

She dropped the photograph
and when a stranger ran up from behind
to give it to her
she refused to touch it
but you dropped it miss
I couldn't have dropped it
because it isn't mine
she didn't want anyone
and especially not a stranger
to suspect there was any relation
between her and the photograph
it was as if she'd dropped
a blood-soaked handkerchief
because she was the one in the photograph
and nothing belongs to us more than blood
which is why when someone pricks their finger
they stick it right in their mouth to suck the blood
the stranger understood
it's a picture of you miss
it may be a picture of someone who looks just like me
but it isn't me
the stranger was a kind person
he didn't insist
and since he knew beggars
don't have money for taking pictures
he gave the photograph to a beggar
who ate it up like candy
...

6.
MEMÓRIAS DAS INFÂNCIAS

Gostávamos muito de doce de framboesa
e deram-nos um prato com mais doce de framboesa
do que era costume
mas
a nossa criada a nossa tia-avó no doce de framboesa
para nosso bem
porque estávamos doentes
esconderam colheres do remédio
que sabia mal
o doce de framboesa não sabia à mesma coisa
e tinha fiapos brancos
isso aconteceu-nos uma vez e chegou
nunca mais demos pulos por ir haver
doce de framboesa à sobremesa
nunca mais demos pulos nenhuns
não podemos dizer
como o remédio da nossa infância sabia mal!
como era doce o doce de framboesa da nossa infância!
ao descobrir a mistura
do doce de framboesa com o remédio
ficámos calados
depois ouvimos falar da entropia
aprendemos que não se separa de graça
o doce de framboesa do remédio misturados
é assim nos livros
é assim nas infâncias
e os livros são como as infâncias
que são como as pombinhas da Catrina
uma é minha
outra é tua
outra é doutra pessoa
...

7.
CHILDHOOD MEMORIES

We loved raspberry compote
and we were given a dish with more raspberry compote
than usual
but
our maid and our great-aunt
for our own good
because we were sick
had laced the raspberry compote
with spoonfuls of medicine
that tasted bad
the raspberry compote didn't taste the same
and it had white streaks
this happened to us once and that was enough
we never again jumped up and down when there was
raspberry compote for dessert
we never again jumped up and down for anything
we can't say
how yucky the medicine from our childhood tasted!
how yummy the raspberry compote from our childhood was!
when we found out about the mixture
of raspberry compote with the medicine
we fell silent
later we heard about entropy
we learned that it's not easy to separate
raspberry compote from medicine once they're mixed together
that's how it is in books
that's how it is in childhood
and books are like childhood
which is like Catrina's little doves
one is mine
another is yours
yet another is someone else's
...

8.
OS PAPELOTES

Nunca choraremos bastante
termos querido ser belas
à viva força
eu quis ser bela
e julguei que para ser bela
bastava usar canudos
pedi para me fazerem canudos
com um ferro de frisar e papelotes
puxaram-me muito pelos cabelos
eu gritei
disseram-me para ser bela
é preciso sofrer
depois o cabelo queimou-se
não voltou a crescer
tive de passar a andar com uma peruca
para ser bela é preciso sofrer
mas sofrer não nos faz forçosamente belas
um sofrimento não implica como consequência
uma recompensa
uma dor de dentes pode comover a nossa mãe
que para nos consolar sem saber de quê
nos dá um rebuçado
mas o rebuçado ainda nos faz doer mais os dentes
a consequência de um sofrimento
pode ser outro sofrimento
a causa é posterior ao efeito
o motivo do sofrimento é uma das consequências
do sofrimento
os papelotes são uma consequência da peruca
...

9.
CURLPAPERS

We'll never cry enough
for having wanted to be beautiful
at all costs
I wanted to be beautiful
and I thought ringlets would be enough
to make me beautiful
I asked to have my hair done in ringlets
using a curling iron and curlpapers
they pulled my hair this way and that
I screamed
they told me that to be beautiful
you have to suffer
then my hair got all burnt
and wouldn't grow back
I had to start going around with a wig
you have to suffer to be beautiful
but suffering doesn't necessarily make us beautiful
suffering doesn't imply a reward
as a logical consequence
a toothache may stir pity in our mother
who to soothe us but not knowing for what
gives us a piece of candy
but the candy makes our teeth hurt even more
the consequence of suffering
can be more suffering
the cause following the effect
the motive for suffering being one of the consequences
of the suffering
curlpapers being a consequence of the wig
...

10.
A ELISABETH FOI-SE EMBORA

(com algumas coisas de Anne Sexton)



Eu que já fui do pequeno-almoço à loucura
eu que já adoeci a estudar morse
e a beber café com leite
não posso passar sem a Elisabeth
porque é que a despediu senhora doutora?
que mal me fazia a Elisabeth?
eu só gosto que seja a Elisabeth
a lavar-me a cabeça
não suporto que a senhora doutora me toque na cabeça
eu só venho cá senhora doutora
para a Elisabeth me lavar a cabeça
só ela sabe as cores os cheiros a viscosidade
de que eu gosto nos shampoos
só ela sabe como eu gosto da água quase fria
a escorrer-me pela cabeça abaixo
eu não posso passar sem a Elisabeth
não me venha dizer que o tempo cura tudo
contava com ela para o resto da vida
a Elisabeth era a princesa das raposas
precisava das mãos dela na minha cabeça
ah não haver facas que lhe cortem o
pescoço senhora doutora eu não volto
ao seu anti-séptico túnel
já fui bela uma vez agora sou eu
não quero ser barulhenta e sozinha
outra vez no túnel o que fez à Elisabeth?
a Elisabeth foi-se embora
é só o que tem para me dizer senhora doutora
com uma frase dessas na cabeça
eu não quero voltar à minha vida
...

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