Herberto Helder

Herberto Helder Poems

«Transforma-se o amador na coisa amada», com seu
feroz sorriso, os dentes,
as mãos que relampejam no escuro. Traz ruído
e silêncio. Traz o barulho das ondas frias
e das ardentes pedras que tem dentro de si.
E cobre esse ruído rudimentar com o assombrado
silêncio da sua última vida.
O amador transforma-se de instante para instante,
e sente-se o espírito imortal do amor
criando a carne em extremas atmosferas, acima
de todas as coisas mortas.


Transforma-se o amador. Corre pelas formas dentro.
E a coisa amada é uma baía estanque.
É o espaço de um castiçal,
a coluna vertebral e o espírito
das mulheres sentadas.
Transforma-se em noite extintora.
Porque o amador é tudo, e a coisa amada
é uma cortina
onde o vento do amador bate no alto da janela
aberta. O amador entra
por todas as janelas abertas. Ele bate, bate, bate.
O amador é um martelo que esmaga.
Que transforma a coisa amada.


Ele entra pelos ouvidos, e depois a mulher
que escuta
fica com aquele grito para sempre na cabeça
a arder como o primeiro dia do verão. Ela ouve
e vai-se transformando, enquanto dorme, naquele grito
do amador.
Depois acorda, e vai, e dá-se ao amador,
dá-lhe o grito dele.
E o amador e a coisa amada são um único grito
anterior de amor.


E gritam e batem. Ele bate-lhe com o seu espírito
de amador. E ela é batida, e bate-lhe
com o seu espírito de amada.
Então o mundo transforma-se neste ruído áspero
do amor. Enquanto em cima
o silêncio do amador e da amada alimentam
o imprevisto silêncio do mundo e do amor.
...

«The lover transforms into the thing loved» with his
savage smile, his teeth,
his hands that flash in the dark. He brings sound
and silence. He brings the noise of the cold waves
and burning stones which rage within him.
And he covers this primordial sound with the staggered
silence of his last life.
The lover transforms from moment to moment,
and it's the moment of the immortal spirit of love
creating flesh in extreme atmospheres, wafting
over all death things.


The lover transforms. He cuts through forms to the core.
And the thing loved is an enclosed bay,
the space of a candlestick,
the backbone and spirit
of women sitting.
He transforms into extinguishing night.
Because the lover is everything, and the thing loved
is a curtain
battered by the wind of the lover on the heights
of an open window. The lover enters
through every open windows and
batters, batters, batters.
The lover is smashing hammer.
that transforms the thing loved.


He enters through her ears,and the woman
who listens
holds that shout forever in her mind
burning like the first day of summer.She hears
and slowly transforms, while sleeping, into that shout
of the lover.
She awakens, and goes, and gives herself to the lover,
she gives him his own shout.
And the lover and the thing loved are a single shout
preceding love.


And they shout and batter. He batters her with his lover
spirit. And she is battered and batters him
with her spirit of the beloved.
Then the world transforms into this harsh noise
of love.While overhead
the silence of the lover and the beloved feed
the surprising silence of the world and of love.
...

3.

II
No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
na cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.
...

II
On the mother's mad smiles the raindrops
patter down. On their beloved
mad faces the lanterns tap
their yellow fingers.
Swaying. Pure.
Pure raindrops and lanterns. And the mothers
draw near, blowing on their cold fingers,
moving their bodies
through filial bones, tendons,
submerged organs.
And the intrinsic mothers calmly sit down
inside filial heads.
They sit there in slow and urgent silence,
seeing everything
and burning the images, fuelling the images,
while love keeps getting stronger.
Showering them in the face. Tender love.
Fierce love.
And the mothers are ever more beautiful.
Think the sons whom the mothers levitate.
Violent flowers strike their eyelids.
Above and below they breathe
in silence,
theirs faces gleaming in the spray
of raindrops,
around the lanterns. In the continuous
pourring down of sons.
Mothers are the loftiest things
created by sons, since they dwell
in their sons' deflagration, since
sons are like dandelion invaders
in their mothers' terrain.
And mothers are oil wells in the speech of their sons,
spurting through them
from out of the earth.
And the sons dive, in rubber suits, into the depths
of myriad waters
with the mothers wrapped like octopi around their hands
and around their tenderest nerves.
And the son sits with his mother at the head of the table.
Through him the mother fiddles
with the teacups and the forks,
and through her he thinks
no dead is possible, and the waters
are connected
through his hand touching the mad face
of his mother who can sense his touch
and through love, in love, until it's only possible
to love everything
and it's possible to rediscover everything through love.
...

Quero um erro de gramática que refaça
na metade luminosa o poema do mundo,
e que Deus mantenha oculto na metade nocturna
o erro do erro:
alta voltagem do ouro,
bafo no rosto.
...

I'd like a grammatical error to rewrite
the poem of the world on the side of daylight
while God hides the error of the error
on the dark side -
high-voltage gold,
breath in the face.
...

Um espelho em frente de um espelho: imagem
que arranca da imagem, oh
maravilha do profundo de si, fonte fechada
na sua obra, luz que se faz
para se ver a luz.
...

Mirror against mirror: image
born of the image, oh miraculous
depths of the self, fountain hidden
inside its frame, light created
so that the light will be seen.
...

The Best Poem Of Herberto Helder

Tríptico

«Transforma-se o amador na coisa amada», com seu
feroz sorriso, os dentes,
as mãos que relampejam no escuro. Traz ruído
e silêncio. Traz o barulho das ondas frias
e das ardentes pedras que tem dentro de si.
E cobre esse ruído rudimentar com o assombrado
silêncio da sua última vida.
O amador transforma-se de instante para instante,
e sente-se o espírito imortal do amor
criando a carne em extremas atmosferas, acima
de todas as coisas mortas.


Transforma-se o amador. Corre pelas formas dentro.
E a coisa amada é uma baía estanque.
É o espaço de um castiçal,
a coluna vertebral e o espírito
das mulheres sentadas.
Transforma-se em noite extintora.
Porque o amador é tudo, e a coisa amada
é uma cortina
onde o vento do amador bate no alto da janela
aberta. O amador entra
por todas as janelas abertas. Ele bate, bate, bate.
O amador é um martelo que esmaga.
Que transforma a coisa amada.


Ele entra pelos ouvidos, e depois a mulher
que escuta
fica com aquele grito para sempre na cabeça
a arder como o primeiro dia do verão. Ela ouve
e vai-se transformando, enquanto dorme, naquele grito
do amador.
Depois acorda, e vai, e dá-se ao amador,
dá-lhe o grito dele.
E o amador e a coisa amada são um único grito
anterior de amor.


E gritam e batem. Ele bate-lhe com o seu espírito
de amador. E ela é batida, e bate-lhe
com o seu espírito de amada.
Então o mundo transforma-se neste ruído áspero
do amor. Enquanto em cima
o silêncio do amador e da amada alimentam
o imprevisto silêncio do mundo e do amor.

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