José Tolentino Mendonça

José Tolentino Mendonça Poems

in the beginning was the island
although it's said
that the Spirit of God
hugged the waters
...

After shutting everything, I reopen the door
and plunge unsteadily into the empty darkness
at certain hours I'm afraid of the company
of what doesn't sleep
...

I have friends who pray to Simone Weil
For many years now I've noticed Flannery O'Connor

Prayer must be like those things
...

I walked with you through the exact afternoon
you gave me your hand, life seemed
hard to establish
above the high wall
...

Sometimes I miss having no one I can tell
a certain day from beginning to end
the real enchantment of the steady wind
all along the shore at Foz do Douro
...

I abandon house and garden my place at the table
my favorite jacket, folded on the bed
this almost banal truth
that was me all my life
...

We look at those strangers
whom we love and who love us
and they're always adolescents
afraid and alone
...

What's said about winter may be said about youth
it's an abstract season
at a certain moment we feel suddenly cold
as if time no longer consented
...

Without warning we lose
the vastness of the fields
singular enigmas
the clarity we swear
...

Nothing in the world is closer
but those to whom we deny our words
love, certain infirmities, the purest presence
hear what the woman dressed in sunlight says
...

Freesias are flowers that smell like tea
and she, at age thirty-seven, preferred them
to the usual flowers for sale
she admitted beauty but not splendor
...

What do the explorers,
the wayfarers, pilgrims we'd thought had long since disappeared,
the Berbers, the nomadic herders
...

Que dizem os exploradores,
os viajantes, os peregrinos que há muito julgávamos perdidos,
os berberes, os transumantes,
os foragidos
a quantos, como nós, tomam lei da letra e do testamento
não da necessidade desconhecida
que de instante a instante
se revela

Além, onde eles habitam, há uma língua fantasma
que recolhe aquilo que nenhuma língua
é capaz de dizer:
os fotões gerados pelo embate dos astros
o modo como se move por entre a ortografia o antílope
o amarelo que ressurge nas escarpas
após os nevões
...

No princípio era a ilha
embora se diga
o Espírito de Deus
abraçava as águas

Nesse tempo
estendia-me na terra
para olhar as estrelas
e não pensava
que esses corpos de fogo
pudessem ser perigosos

Nesse tempo
marcava a latitude das estrelas
ordenando berlindes
sobre a erva

Não sabia que todo o poema
é um tumulto
que pode abalar
a ordem do universo agora
acredito

Eu era quase um anjo
e escrevia relatórios
precisos
acerca do silêncio

Nesse tempo
ainda era possível
encontrar Deus
pelos baldios

Isto foi antes
de aprender a álgebra
...

Depois de ter fechado tudo, abro de novo a porta
e corro cambaleante para a vazia escuridão
assusta-me a certas horas a companhia
do que não adormece
a resistência disso no nosso espaço
movido por outra forças

Mas também me ocorre acender primeiro a luz
e só depois
sentir um medo louco da casa que me acolhe
dos seus redemoinhos imperceptíveis
que julgo cada vez mais perto
como se estivesse para ser morto
às mãos do próprio Deus

Não sei bem acordar vivo destas coisas:
aproveito o ruído do entardecer e grito muito alto
deixo-te um instante só (um instante só)
para fechar os olhos que tanto ardem
ou atiro das margens folhas ao rio
para medir o tempo de uma vida
a naufragar
...

Tenho amigos que rezam a Simone Weil
Há muitos anos reparo em Flannery O'Connor

Rezar deve ser como essas coisas
que dizemos a alguém que dorme
temos e não temos esperança alguma
só a beleza pode descer para salvar-nos
quando as barreiras levantadas
permitirem
às imagens, aos ruídos, aos espúrios sedimentos
integrar o magnífico
cortejo sobre os escombros

Os orantes são mendigos da última hora
remexem profundamente através do vazio
até que neles
o vazio deflagre

São Paulo explica-o na Primeira Carta aos Coríntios,
"até agora somo o esterco do mundo",
citação que Flannery trazia à cabeceira
...

Atravessei contigo a minuciosa tarde
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer
acima do muro alto

folhas tremiam
ao invisível peso mais forte

Podia morrer por uma só dessas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate
...

Pois às vezes me falta a quem contar
certo dia passado do princípio ao fim
o encanto que tenha realmente
a insistência do vento ao longo da Foz
aquilo que daria (e eu daria tudo) por compaixão

Nascemos e vivemos só algum tempo
não temos nada
não podemos mesmo na penumbra
decidir a atenção ou o esquecimento
as forças soçobram como vago motivos
em público
e em qualquer lugar

Por isso sei tão bem o valor
da natureza indiscutível dos teus olhos
onde a luz anota seus aspectos
teus olhos impacientes e irrealizáveis
que me acompanham
agora que sozinho danço
pela cidade vazia
...

Abandono a casa o horto o lugar à mesa
o casaco de que gostava, sobre o leito dobrado
esta verdade quase banal
que toda a vida fui

Não abro a porta quando batem
(às vezes batiam só por engano)
não avalio o balanço das certezas
o que separa uma forma da outra
sempre me escapou

Ontem começava a clarear
o ar frio que vinha dos campos
julguei-o de passagem e afinal
era um segredo que meu corpo
de uma vez por todas contava
ao meu corpo

Mas quando tombei sobre a terra
perdido como o fio de um cabelo
(aqueles que primeiro caem
da cabeça de um rapaz
e por não serem notados
são mais perdidos ainda)
estavas junto de mim

Lançaste ao fogo cidades
afogaste os exércitos
no vermelho mar da sua ira
hipotecaste terras tão preciosas
para estares junto de mim
...

Esses estranhos que nós amamos
e nos amam
olhamos para eles e são sempre
adolescentes, assustados e sós
sem nenhum sentido prático
sem grande noção da ameaça ou da renúncia
que sobre a luz incide
descuidados e intensos no seu exagero
de temporalidade pura

Um dia acordamos tristes da sua tristeza
pois o fortuito significado dos campos
explica por outras palavras
aquilo que tornava os olhos incomparáveis

Mas a impressão maior é a da alegria
de uma maneira que nem se consegue
e por isso ténue, misteriosa:
talvez seja assim todo o amor
...

José Tolentino Mendonça Biography

Jose Tolentino Mendonca Calaça ComSE ( Machico , 15 of December of 1965 ) is a priest , poet and theologian Portuguese . He is a professor and vice-rector at the Universidade Católica Portuguesa . He began his study of Theology in 1982 . Once ordained priest on 28 of July of 1990 , went to Rome , where he completed his master's degree in Biblical Studies. Returned to Portugal joined the Portuguese Catholic University , where he was chaplain and taught the disciplines of Hebrew and Christianity and Culture. There he got a doctorate in Biblical Theology , becoming an assistant professor. Directed by the year 2014 the National Secretariat of the Culture Ministry, that was the first Director and the magazine Didaskalia, Edited by the Faculty of Theology of the Portuguese Catholic University . In December 2011 he was appointed consultant to the Pontifical Council for Culture For a first term, and in 2016 it was again for one second. He spent the academic year 2011-12, as a Straus Fellow, at New York University, integrating a team of researchers-guests, engaged in the study of the theme "Religion and Public Space.")

The Best Poem Of José Tolentino Mendonça

The Childhood Of Herberto Helder

In the beginning was the island
although it's said
that the Spirit of God
hugged the waters

In those days
I'd lie down on the ground
to look at the stars
without ever thinking
that those bodies of fire
might be dangerous

In those days
I plotted the stars' coordinates
by lining up marbles
on the grass

I didn't know that every poem
is a tumult
that can upset
the order of the universe now
I believe

I was almost an angel
and wrote rigorous
reports
about silence

In those days
it was still possible
to find God
in the wastes

That was before
I learned algebra

Translation: 2006, Richard Zenith

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