Sophia de Mello Breyner Andresen

Sophia de Mello Breyner Andresen Poems

Green-muscled ocean
Idol of many arms like an octopus
Convulsive incorruptible chaos
Ordered tumult
...

Banished from sin and the sacred
Now they inhabit the humble intimacy
Of daily life. They are
The leaky faucet the late bus
...

Midday. A corner of the deserted beach.
The huge, deep, open sun on high
Has chased all the gods from the sky.
...

For her to have such a slender neck
For her wrists to bend like flower stems
For her eyes to be so clear and direct
Her back so straight
...

Sibyls inside adamantine caves,
Totally loveless and blind.
Feeding emptiness like a sacred fire
While shadow dissolves night and day
...

To the gods we attributed a dazzling existence
Consubstantial with the sea the clouds trees and light
In them the waves' glinting the foam's long white frieze
The woods' secret and soft green the wheat's tall gold
...

Our civilization is so out of kilter that
Thought has separated itself from the hand

Ulysses King of Ithaca carpentered his boat
And also boasted of his ability
To plough a straight furrow in the field
...

Multiplicity makes us drunk
Astonishment leads us on
With daring and desire and calculated skill
We've broken the limits -
...

Lord free us from the dangerous game of transparency
There are no corals or shells on the sea floor of our soul
Just a smothered dream
...

We will rise again beneath the walls of Knossos
And in Delphi the centre of the world
We will rise again in the harsh light of Crete
...

Ressurgiremos ainda sob os muros de Cnossos
E em Delphos centro do mundo
Ressurgiremos ainda na dura luz de Creta

Ressurgiremos ali onde as palavras
São o nome das coisas
E onde são claros e vivos os contornos
Na aguda luz de Creta

Ressurgiremos ali onde pedra estrela e tempo
São o reino do homem
Ressurgiremos para olhar para a terra de frente
Na luz limpa de Creta

Pois convém tornar claro o coração do homem
E erguer a negra exactidão da cruz
Na luz branca de Creta
...

Um oceano de músculos verdes
Um ídolo de muitos braços como um polvo
Caos incorruptível que irrompe
E tumulto ordenado
Bailarino contorcido
Em redor dos navios esticados

Atravessamos fileiras de cavalos
Que sacudiam as crinas nos alísios

O mar tornou-se de repente muito novo e muito antigo
Para mostrar as praias
E um povo
De homens recém-criados ainda cor de barro
Ainda nus ainda deslumbrados
...

Escorraçadas do pecado e do sagrado
Habitam agora a mais íntima humildade
Do quotidiano. São
Torneira que se estraga atraso de autocarro
Sopa que transborda na panela
Caneta que se perde aspirador que não aspira
Táxi que não há recibo estraviado
Empurrão cotovelada espera
Burocrático desvario

Sem clamor sem olhar
Sem cabelos eriçados de serpentes
Com as meticulosas mãos do dia-a-dia
Elas nos desfiam

Elas são a peculiar maravilha do mundo moderno
Sem rosto e sem máscara
Sem nome e sem sopro
São as hidras de mil cabeças da eficácia que se avaria

Já não perseguem sacrílegos e parricidas
Preferem vítimas inocentes
Que de forma nenhuma as provocaram
Por elas o dia perde seus longos planos lisos
Seu sumo de fruta
Sua fragrância de flor
Seu marinho alvoroço
E o tempo é transformado
Em tarefa e pressa
A contratempo
...

Meio-dia. Um canto da praia sem ninguém.
O sol no alto, fundo, enorme, aberto,
Tornou o céu de todo o deus deserto.
A luz cai implacável como um castigo.
Não há fantasmas nem almas,
E o mar imenso solitário e antigo,
Parece bater palmas.
...

Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos

Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino
...

Sibilas no interior dos antros hirtos
Totalmente sem amor e cegas.
Alimentando o vazio como um fogo
Enquanto a sombra dissolve a noite e o dia
Na mesma luz de horror desencarnada.

Trazer para fora o monstruoso orvalho
Das noites interiores, o suor
Das forças amarradas a si mesmas
Quando as palavras batem contra os muros
Em grandes voos cegos de aves presas
E agudamente o horror de ter as asas
Soa como um relógio no vazio.
...

Aos deuses supúnhamos uma existência cintilante
Consubstancial ao mar à nuvem ao arvoredo à luz
Neles o longo friso branco das espumas o tremular da vaga
A verdura sussurrada e secreta do bosque o oiro erecto do trigo
O meandro do rio o fogo solene da montanha
E a grande abóbada do ar sonoro e leve e livre
Emergiam em consciência que se vê
Sem que se perdesse o um-boda-e-festa do primeiro dia -
Esta existência desejávamos para nós próprios homens
Por isso repetíamos os gestos rituais que restabelecem
O estar-ser-inteiro inicial das coisas -
Isto nos tornou atentos a todas as formas que a luz do sol conhece
E também à treva interior por que somos habitados
E dentro da qual navega indicível o brilho
...

A civilização em que estamos é tão errada que
Nela o pensamento se desligou da mão

Ulisses rei de Ítaca carpinteirou seu barco
E gabava-se também de saber conduzir
Num campo a direito o sulco do arado
...

O múltiplo nos enebria
O espanto nos guia
Com audácia desejo e calculado engenho
Forçámos os limites -
Porém o Deus uno
De desvios nos protege
Por isso ao longo das escadas
Cobrimos de oiro o interior sombrio das igrejas
...

Senhor libertai-nos do jogo perigoso da transparência
No fundo do mar da nossa alma não há corais nem búzios
Mas sufocado sonho
E não sabemos bem que coisa são os sonhos
Condutores silenciosos canto surdo
Que um dia subitamente emergem
No grande pátio liso dos desastres
...

Sophia de Mello Breyner Andresen Biography

Sophia de Mello Breyner Andresen (November 6, 1919 in Porto – July 2, 2004 in Lisbon) was an award-winning Portuguese poet and writer. In 2014, she was unanimously chosen by the Parliament with National Pantheon honours, the second woman to be so honored, after Amália Rodrigues. Sophia, as she is often referred to in Portugal, was born in Porto to a wealthy aristocratic family. She inherited the surname 'Andresen' from her paternal great grandfather, a Danish merchant. She received a strict Catholic upbringing, and was to remain a fervent believer until the end of her life. After spending her childhood in Porto she moved to Lisbon, where she attended the Universidade de Lisboa. As a student, she was actively involved in Catholic movements. Politically, she defended constitutional monarchy and openly criticized Salazar's dictatorship. In 1946 she married lawyer and politician Francisco Sousa Tavares. They had five children, among whom is journalist and best-selling author Miguel Sousa Tavares. After the Carnation Revolution in 1974, she made a brief incursion into politics as an MP for the Socialist Party (centre-left).)

The Best Poem Of Sophia de Mello Breyner Andresen

Discovery

Green-muscled ocean
Idol of many arms like an octopus
Convulsive incorruptible chaos
Ordered tumult
Contorted dancer
Surrounding the taut ships

We traversed row on row of horses
Shaking their manes in the trade winds

The sea turned suddenly very young and very old
Revealing beaches
And a people
Of just-created men still the colour of clay
Still naked still in awe

Translation: 2004, Richard Zenith

Sophia de Mello Breyner Andresen Comments

Sophia de Mello Breyner Andresen Popularity

Sophia de Mello Breyner Andresen Popularity

Close
Error Success