HOMENAGEM A S. JOÃO DA CRUZ Poem by Nuno Júdice

HOMENAGEM A S. JOÃO DA CRUZ

Quando colhi os frutos daqueles ramos
que nunca deram sombra, a noite desceu
depressa, sem poente nem crepúsculo: a noite
que já estava dentro de cada fruto
e se fazia mais espessa de cada vez que os meus lábios
tocavam a ácida casca. Que noite
começou então? Não foi, sem dúvida, a noite
áspera do choro e do canto; nem a noite piedosa
que antecede a madrugada; nem sequer
a noite única do sonho e da insónia, confundindo-se
no curso sonâmbulo dos corpos que o torpor amante
contamina. Noite sem fim - porque
não teve um princípio - e definitiva no olhar
cego de um reflexo sem memória: dando
o nome às coisas que nunca o tiveram; e roubando
substância a esses nomes - essa noite
anda pelo meio de mim, entre quem sou
e quem julgo ser, impedindo-me de ver cada um
dos lados em que estou. Noite, então,
que caiu onde sempre esteve: amada, desejada,
repudiada repetição do que escrevo
quando escrevo - chamando, apenas,
a chama que não vejo nesse obscuro desejo.

COMMENTS OF THE POEM
READ THIS POEM IN OTHER LANGUAGES
Close
Error Success