"SIM, FUI UM PROFETA" Poem by Nuno Júdice

"SIM, FUI UM PROFETA"

Experimento um contacto de sombras,
o mal estar de uma efervescência de ruínas, das folhas
que tomam a forma virgem de um tronco. Sou já um hábito,
habitado por diferentes direcções de espírito, ouvido no fundo dos poços
humanos: um tom de voz que multiplica a contradição ofegante
das nostalgias. Diziam-me:

" - Procura no coro dos mortos o primeiro grau
da felicidade; na obsessão dos pescadores de ostras
um derradeiro uivo de sofrimento . . . " e as palavras chegavam-me
em tumulto, numa pesada respiração, num estertor

de velho. Então, vi o fim: a queda sinuosa dos astros, o rosto
de um gelo azul, o ruído de ondas sobrepondo-se à imagem
do ventre rasgado até às entranhas. Nenhum exorcismo me restituiu
a força. Entrei na procissão dos sonâmbulos,

juntando a voz ao gemido comum. " - Quem é este?" -
" - O taciturno poeta, o antigo portador de absolvição."
E comentavam :
"De que nos serve, agora? . . . " E a maré engrossava
como as nuvens do crepúsculo! Entre os homens ainda há
quem se lembre: o bêbado contador de histórias, o músico
cego das feiras, a louca decifradora das sinas. As crianças apedrejam-nos
à entrada das aldeias. Um deles apareceu, de manhã, boiando
no canal

- e os seus olhos viam tudo.

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